"O Sistema Conselhos de
Psicologia, desde 2005, tem provocado e participado de debates em diferentes
espaços sobre o tema da escuta de crianças e adolescentes no Sistema de
Justiça, vítimas ou testemunhas de violência. Tais debates, fundamentados nos
parâmetros éticos e técnicos da Psicologia como ciência e profissão e nos
princípios da proteção integral e da prioridade absoluta de crianças e
adolescentes, previstos na Lei nº 8069/1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), resultaram na publicação da Resolução CFP Nº10/2010, que indicou
princípios norteadores e referenciais técnicos para a realização da escuta
psicológica na Rede de Proteção.
A publicação da normativa foi considerada polêmica
pelo fato de vedar ao psicólogo o papel de inquiridor e o debate não cessou. A
interlocução com profissionais do Serviço Social, Direito, Antropologia,
Medicina e outras ciências humanas e da saúde, fez prosperar a compreensão dos
argumentos contrários à inquirição de crianças e adolecentes, em diferentes
segmentos da sociedade e outros espaços de debates se abriram.
A discussão se ampliou para além do aspecto
procedimental e passou-se a questionar se a mudança de ambiente e de estratégia
de fato reassegura direitos, visto que coloca crianças e adolescentes apenas
como “objeto” de produção de prova, com vistas à responsabilização do agressor.
Há consenso entre os que repudiam e os que
defendem a criação de salas especiais para que se realizem o denominado
“depoimento sem dano” ou “depoimento especial” de que é necessário evitar a
revitimização de crianças e adolescentes que são colocados em sucessivas
situações de repetição da história da violência vivida ou presenciada. Não há
consenso, entretanto, no entendimento de que a inquirição não seja
revitimizante ou violadora de direitos, mesmo em ambientes mais humanizados,
visto que seu único objetivo é a responsabilização do agressor. “Procedimentos
voltados para sobrecarregar a criança com a produção de prova precisam ser
repensados e reexaminados à luz dos Direitos Humanos, da proteção integral e
dos conhecimentos científicos disponíveis em diferentes áreas do saber”, afirma
a Procuradora de Justiça, Maria Regina Fay de Azambuja (2012).
Muitas outras questões vêm sendo incorporadas ao
debate que continua tendo como desafio a articulação entre o sistema de justiça
penal e a necessária garantia da proteção dos direitos de crianças e
adolescentes, vítimas ou testemunhas.
Ainda que sejam imputadas decisões judiciais aos
profissionais, o debate está longe de ser finalizado. Importa destacar, nesse
contexto, a Moção de Repúdio aprovada na 9ª Conferencia Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente, realizada entre 11 e 14 de Julho de 2012, em
Brasília. Nessa moção, repudia-se o financiamento de “salas especiais” pela
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e destaca-se a
importância de que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA), instância máxima de deliberação das políticas da infância e
adolescência no país, estabeleça um amplo debate e se posicione frente ao tema.
No campo da Psicologia, especificamente,
destaca-se que não é papel do profissional realizar inquirição, monitorado pelo
juiz que lhe determina as perguntas a serem feitas à criança e ao adolescente.
A inquirição é um procedimento jurídico, constitui-se em um interrogatório,
cujo objetivo é levantar dados para instrução de um processo judicial, visando
à produção de prova, sendo as perguntas feitas à criança e ao adolescente
orientadas pelas necessidades do processo. A escuta psicológica caracteriza-se
por ser uma relação de cuidado, acolhedora e não invasiva, para a qual se
requer a disposição de escutar, respeitado-se o tempo de elaboração da situação
traumática, as peculiaridades do momento do desenvolvimento e, sobretudo
visando a não revitimização. A escuta leva em conta a dimensão subjetiva, que
também deve ser considerada na perspectiva dos direitos humanos.
Ao entender que a inquirição não é atribuição do
profissional de Psicologia e regulamentar o exercício do profissional, o
Conselho Federal de Psicologia passa a ser questionado pelo Poder Judiciário.
Desde a publicação da Resolução 10/2010, inúmeras ações judiciais, em
diferentes Estados foram desencadeadas visando à sua suspensão.
No dia 9 de julho de 2012, o Juiz da 28ª Vara
Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, decidiu pela suspensão da
Resolução CFP nº 10/2010 em todo Território Nacional. Todavia, o Conselho
Federal de Psicologia foi intimado no dia 16 de Julho de 2012 para cumprir a
decisão proferida. Diante dessa decisão, o Conselho Federal de Psicologia
esclarece que tomará as providências cabíveis no âmbito da justiça.
Sustentado em razões éticas e técnicas, o CFP
informa ainda que, à despeito dos profissionais estarem judicialmente
autorizados a realizar a inquirição, mantém as orientações às psicólogas e
psicólogos brasileiros que atuam no âmbito da justiça, destacando a necessária
atenção ao Código de Ética Profissional do Psicólogo e à defesa intransigente
da autonomia do profissional, entendendo que o diálogo entre os saberes não se
sustenta numa lógica vertical e hierárquica.
Ao reafirmarmos nossos princípios e convicções,
reiteramos a necessidade de que o tema seja amplamente debatido de forma
articulada no âmbito do Sistema de Garantia de Direitos, envolvendo todos os
seus atores como corresponsáveis pela defesa intransigente dos direitos da
criança e do adolescente."
Fonte: CFP
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